Esporte na Mídia ou Esporte da Mídia?

27/11/2017 08:53

Betti (2002) faz uma reflexão sobre a relação entre esporte e mídia. Traz à tona indagações a respeito do que assistimos e ouvimos, principalmente na televisão, sobre a prática esportiva. Vivemos ainda hoje uma "monocultura do esporte" na qual o futebol recebe de maneira unânime todos os olhares do espectadores. Há sem dúvidas um maior acesso das pessoas às informações sobre a prática de vários esportes, além do futebol, devido em especial à internet por meio de notebooks e smartphones. Porém, não pode-se fechar os olhos para o fato de que a mídia televisa ainda é a que mais influencia as preferências da população de uma forma em geral.

Pois bem, no que tange ao esporte e a mídia, há uma ênfase no binônimo vitória-derrota, recompensa extrínseca, violência ao em vez da cooperação, auto-conhecimento, sociabilização que são qualidades que se espera estar presente na prática esportiva. Sabe-se que ambos (competição e cooperação) estão presentes na vivência esportiva, contudo a ênfase e a ausência ou aniquilação do outro com o intuito de alcançar lucro e poder traz uma série de consequências negativas para a sociedade, mesmo sabendo que "o esporte não teria alcançado a importância política, econômica e cultural de que desfruta hoje não fosse sua associação com a televisão, associação esta que criou uma 'realidade textual autônoma': o esporte telespetáculo (BETTI apud BETTI, 2002, p. 1).

É nesse sentido que Betti (2002) chamou atenção dos leitores ao fazer uma comparação entre o que é o esporte da mídia e o que seria o esporte na mídia, mesmo apontando que o último não seria possível ao menos por dois fatores: "i) pela própria natureza e limitações de cada mídia" (BETTI, 2002, p. 1); "ii) pelo fato de que cada mídia cumpre funções específicas" (SANTAELLA apud BETTI, 2002, p. 1).

Nesse sentido, segue-se as características do esporte da mídia de acordo com Betti (2002, p. 1-3):

1) Ênfase na “falação esportiva”. A falação esportiva (Eco, 1984) informa e atualiza: quem ganhou, quem foi contratado ou vendido (e por quanto), quem se contundiu, e até sobre aspectos da vida pessoal dos atletas. Conta a história das partidas, das lutas, das corridas, dos campeonatos; uma história que é sempre construída e reconstruída, pontuada pelos melhores momentos - os gols, as ultrapassagens, os acidentes etc. cria expectativas: quem será convocado para a seleção brasileira? A falação faz previsões: qual será o placar, quem deverá vencer. Depois, explica e justifica: por que tal equipe o atleta ganhou ou perdeu. A falação promete: emoções, vitórias, gols, medalhas. Cria polêmicas e constrói rivalidades: foi impedimento ou não? A falação critica: "fala mal" dos árbitros, dos dirigentes, da violência. A falação elege ídolos: o "gênio", o craque  fora de série. Por fim, sempre que  possível, a falação dramatiza.  
2) Monocultura esportiva. A ênfase quantitativa da “falação” das mídias, assim como da transmissão ao vivo de  eventos é, no Brasil, evidentemente relacionada ao futebol, tendência que se acentuou nos últimos anos, rovavelmente porque as empresas descobriram naquela modalidade esportiva uma melhor relação custo-benefício para a publicidade. Uma possível exceção situa-se na TV por assinatura, na qual Betti (1999) encontrou maior
percentagem de programação dedicada aos “esportes radicais”, seguida de futebol e tênis.
3) Sobrevalorização da forma em relação ao conteúdo.  É característica marcante da mídia televisiva. O esporte telespetáculo tende a valorizar a forma em relação ao conteúdo.Isso decorre do fato do discurso televisivo fazer uso privilegiado da linguagem audiovisual, combinando imagem, som (música, por exemplo) e palavra, com ênfase na primeira. As possibilidades do audiovisual são levadas cada vez mais adiante, em decorrência dos avanços
tecnológicos associados à informática (mini-câmaras, closes, slow-motion, recursos gráficos etc.). Mas também nas mídias impressas (jornal, revista), as imagens vêm ganhando espaço em relação à palavra – são fotos, gráficos e outros recursos produzidos com sofisticação e qualidade cada vez maiores por conta dos avanços da informática/computação. O poder da linguagem audiovisual é maximizado na TV por assinatura, na qual o esporte
pode apresentar-se como pura imagem (Betti, 1999), o que se justifica no processo de espetacularização, porque a televisão busca atingir a emoção do espectador, e não a razão. Do outro lado da moeda, o discurso das mídias em geral  propõe uma concepção hegemônica de esporte: esforço, busca da vitória, disciplina, dinheiro. O preço que se paga pela espetacularização do esporte é a fragmentação e descontextualização do fenômeno esportivo. Os eventos e fatos são retirados do seu contexto histórico, sociológico, antropológico. A experiência global do ser-atleta é fragmentada. No caso da televisão, a descontextualização é mais sutil, e o telespectador é vítima de uma ilusão: julga que está observando a realidade diretamente, como se a “tela” fosse uma “janela”. Na verdade, há diferenças profundas na experiência de assistir ao esporte como testemunha corporalmente presente nos estádios e ginásios e na sala de estar, pela TV.  
4) Superficialidade. As próprias características das mídias impõem a superficialidade. Como lembra Santaella (1996) a cultura das mídias é a cultura do efêmero, do breve, do descontínuo; é a cultura "dos eventos em oposição aos processos" (p.36). Mas como  a cultura das mídias caracteriza-se também pela interação entre elas, a mesma notícia passa de uma mídia a outra, permitindo análises mais aprofundadas nas revistas semanais e no jornalismo investigativo da TV por assinatura, por exemplo. Idealmente, as mídias seriam intercomplementares (Santaella1996), e a notícia da TV levaria o espectador ao jornal, daí à revista, etc. Mas quem no Brasil lê jornais, revistas ou pode pagar por uma TV a cabo? Daí o receio dos efeitos perniciosos que a televisão pode trazer a um país como o Brasil, com baixo nível educacional, com uma grande massa de analfabetos e semi- analfabetos, e que estão se expondo diretamente à cultura audiovisual das mídias, sem a mediação anterior da cultura letrada.
5) Prevalência dos interesses econômicos. A lógica das mídias, em última instância, atende a interesses econômicos, entronizando na televisão os índices de audiência, e criando assim um círculo vicioso: os produtores pressupõem o que o público (que é visto como homogêneo) quer, e só lhe oferecem isso, portanto, não podem saber se o público deseja outra coisa. Novidades aparecem, mas sempre sobre os mesmos temas e sob as mesmas formas. Como não há opções, o público reafirma a audiência das “fórmulas” tradicionais. Daí a mesmice da cobertura futebolística, por
exemplo. A pobreza de conteúdo na TV brasileira é cada vez mais evidente, não obstante o artigo 221 da Constituição brasileira determinar que a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão deverão conceder prioridade a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas. De uma perspectiva mais ampla, Walnice Nogueira Galvão, claramente inspirada no conceito de “indústria cultural” da Escola de Frankfurt, refere-se
ao “fundamentalismo do mercado”, que faz imperar uma lógica perversa, a qual privilegia o investimento em novidades que, dada sua facilidade e baixo custo, leva à crescente degradação do gosto dos cidadãos; e assim “os produtores agiram, enquanto se justificavam dizendo dar ao povo o que ele queria. E não o contrário: os produtores é que se empenharam numa campanha de deseducação, infantilizando o público (caso do cinema),  imbecilizando-o (caso da televisão)...” (Galvão, 2002, p. 5). Do ponto de vista político, a imposição de limites a esse processo teria que ser ditada pela própria sociedade civil, nos termos previstos pelo artigo 224 da Constituição brasileira de 1988, que prevê o funcionamento de um Conselho de Comunicação Social, até hoje não concretizado.

Contudo, como seria o esporte na mídia segundo Betti (2002, p. 3)? Talvez poderia apresentar algo parecido com o que segue abaixo:

- a cobertura de várias modalidades esportivas, inclusive as que ainda são predominantemente amadoras;  
- a presença de informações/conteúdos científicos (biológicos, socioculturais, históricos) sobre a cultura esportiva;
- análises aprofundadas e críticas a respeito dos fatos, acontecimentos e tendências nas várias dimensões que envolvem o esporte atualmente (econômica, administrativa, política, treinamento, tática etc), considerando o passado, o presente e o futuro;
- as vozes dos atletas (profissionais e amadores) enquanto seres humanos integrais, e não apenas como máquinas de rendimento, nos falando sobre a experiência global de praticar esporte;
- uma maior interação com os receptores, considerados indivíduos singulares, instaurando um verdadeiro processo de comunicação.

Sendo assim, tais características respeitariam as características de cada mídia e preservaria o esporte espetáculo que atraia e espectador.

 

Fonte: BETTI, Mauro. Esporte na mídia ou esporte da mídia. Revista Motriviência. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/motrivivencia/article/viewFile/5929/5441>. Acesso em: 27 nov. 2017.